Quando os deuses pisaram na terra, nasceu o teatro
Por Inácio Sena
“Teatro é paixão. Teatro é família. Fazer teatro é lançar-se na tormenta, querendo chegar ao seu olho. Sem proteção. E lá chegando, torná-la bonança. É querer mudar o mundo para melhor. Utopia? A melhor. Teatro é autoconhecimento. Missão. É se fazer do outro para mostrar-lhe a direção. Fazer dia da noite. Noite do dia.” (Edyr Augusto – Dramaturgo e Escritor)
O espetáculo “Viajantes” é uma dramaturgia que flerta com o audiovisual, desde a sua temática Sci Fi. Apresentado em Macapá no III Festival Curta Teatro, o espetáculo teatral tem como tema central um contato direto entre um humano e um extraterrestre.
Como autor não busquei nenhum molde pré-fabricado. Entretanto busco alguns diálogos. Primeiramente comigo mesmo: como levar para o palco técnicas e impressões de cinema? Não imaginava como seria recebido no reino das palavras com minhas imagens cinematográficas. Bom, os quinze minutos do tempo máximo permitido pelo festival ainda não me responderam isso. Eu esperava muito, quase com ânsia, pelos tradicionais debates no final da noite, talvez o momento mais enriquecedor do Curta Teatro, desde a sua primeira edição. Infelizmente, nesta edição, por motivos de contenção de tempo, o debate não veio. Perdi esse parâmetro que, para mim, valia mais que qualquer premiação.
Atriz Débora Bararuá, foto de Inácio Sena.
Outros diálogos, que me foram possíveis, buscam diagnosticar em Ricardo Karman essa necessidade de buscar o insólito para procurar uma vivência sensorial, criando conexões entre teatro, artes plásticas, performance e vídeo (COELHO, 1995).
Fotos de Lia Borralho do Elenco Adrian Simith, Davi Borralho, Débora Bararuá, Leal Cajari, Paulo Lima.
Na sua concepção, o espetáculo busca contar histórias. Nada é feito sem esse objetivo (na versão compacta do festival isso talvez tenha se perdido um pouco). Escrito por mim para 50 minutos, nossa próxima montagem, para setembro, buscará essa intrincada rede de pequenas histórias dentro de uma maior.
Para se contar histórias para essa geração digital, cada vez mais se deve narrar por imagens. Como escritor, eu costumava considerar essa tendência uma espécie de emburrecimento, como uma preguiça mental em que as pessoas, cada vez mais, liam menos e perdiam a plena capacidade de imaginar através das palavras. Quando comecei a fazer audiovisual na faculdade percebi que, na verdade, não era preguiça ou pobreza intelectual. As pessoas queriam ouvir histórias sim, mas queriam uma percepção plena da história. Queriam ver e ouvir. Queriam uma narrativa mais palpável, queriam se arrepiar, se sentir transportadas para dentro da história. Entendi que, na verdade, elas estavam mais exigentes.
Durante o último século, o cinema fez bem esse papel.
O uso de técnicas de cinema e outras mais digitais, como o holograma e o raio lazer, junto com técnicas mais antigas, como o teatro de sombras e de bonecos, pode causar esse mistério novamente no público e com acréscimo da proximidade, do cheiro de fumaça, das luzes em seus rostos sem os filtros das lentes das filmadoras e da pseudo perfeição da edição de imagens do cinema.
Nada é mais rico, nada traz ainda mais o espectador para dentro da obra, do que ver isso tudo realizado diante dos seus olhos, enlevados pela surpresa.
Quando ele esperava a mesmice, ser arrebatado sem a pipoca e o guaraná, sem saber o que dizer ou o que pensar no momento, surpreendidos e novamente despertos para sua fantasia, num filme corpo a corpo com o espectador, com expressões de luz, cheiro, respingos de suor, toque, a personagem frente a frente com ele, a foto após o espetáculo para recordar esse momento mágico e a possibilidade de voltar a assistir novamente, sem a certeza de que já sabe o que vai ver.
O espetáculo se desenvolve em três cenas ou capítulos: Na primeira, chamada “Os viajantes”, dois astronautas viajam através das galáxias acompanhados de um robô, à procura de vida extraterrestre. Após 12 mil anos de procura infrutífera (a humanidade já não morre ou adoece), um acidente os obriga a encararem-se a si mesmos e redescobrir suas verdades. Os viajantes são bem mais que nós, no futuro. Eles desmascaram nosso presente, nossas bobagens diárias e nossa civilização voltada para o umbigo e a restrição da liberdade.
Foto de Lia Borralho
Na segunda cena, chamada “Faça-se a Luz”, a compreensão do universo no confronto de duas raças, a humana e a extraterrestre, conversando sobre a saga da humanidade no nosso futuro e no passado deles.
Na terceira cena, intitulada “Quando os deuses pisaram na terra, nasceu o teatro”, um epílogo de como nascem os mitos, deuses e rituais.
Apesar de ser uma cena curtíssima, executada por atores mirins, é de fundamental importância para a obra.
É baseada em escritos cuneiformes gravados em tabuletas de argila encontradas no século passado por pesquisadores na cidade de Uruk, do povo Sumério que vivia na Mesopotâmia, região onde hoje é o Iraque. Seu antigo ritual religioso fazia alusões à chegada dos deuses Anunnakis (Aqueles que do Céu desceram à Terra) ou Nefillins do Antigo Testamento Cristão ou Torá Judaica. Suas representações ritualísticas são anteriores ao Teatro Grego em milhares de anos.
Quando fechamos as cortinas, encerramos um ritual. No Imagem e Cia sempre foi assim. Somos mortais e falhos. Limitados, diria, pelo tempo e pelos mistérios. Sabemos disso. Somos instrumentos do ritual dramático. Quando interpretamos oramos juntos. Tem sido assim nesses dez anos de Imagem. Tem sido assim há sete mil anos. Maquiamo-nos e vestimos o figurino para imitarmos os deuses.
FICHA TÉCNICA
Título: Viajantes
Dramaturgia e Direção: Inácio Sena
Elenco: Adrian Simit
Davi Borralho
Débora Bararuá
Leal Cajari
Paulo Lima
Elenco Mirim:Agatha de Paula,Ana Carolina,Caio Vinicius,Carlos Daniel,Iury
Marques,João Vitor, Laran Maciel,Maria Eduarda,Riam Gustavo e Stephany
Bianca.
Técnico Responsável:Emerson Rodrigues Guga
Apoio Técnico: Antoniele Xavier
Cenário: Rute Xavier e Inácio Sena
Equipe de maquiagem:Bruna Raniere,Elen Baía, Géssica Farias e Camila Aguiar.
Equipe de Figurino: Mapige e Rute Xavier.
Criação e Montagem da Criatura: Bruna Raniere e Géssica Farias.
Iluminação: Antônio Carlos
Técnico de Palco:Viola Apoio:Biblioteca Elcy Lacerda,Casa das Lâmpadas,Grupo Cangapé, Grupo
Kabuki,Grupo Marco Zero,Grupo Tucujúe Teatro das Bacabeiras.
Agradecimentos:Ana Cristina e Lia Borralho.
BIBLIOGRAFIA
BARROSO, Adriano. Ato: paixão segundo o gruta. Belém: FUNARTE, 2017.
COELHO, Marcelo. Grande viagem de Merlin é encantadora. São Paulo, Folha de São Paulo, Ilustrada, Pg 5, 1995.
MASSA, M. de Souza. Ludicidade: Da etimologia da palavra à complexidade do conceito in Aprender, Cad. De Filosofia e Pisc. Da Educação, Ano X, N° 15, Pg.111 a 130. Vitória da Conquista, 2015.
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